ARETÉ

22.02.2016 -

Poesia, música e dança

– Agora vamos ver uma parte muito importante da exposição: vocês viram até agora cenas de lutas, corridas de cavalos, arremessos de discos e dardos. Agora verão cenas daqueles que manejam os sons, criam e falam de seres mitológicos, lançam palavras no ar e produzem com seus corpos movimentos que cativam os olhos e a imaginação. Do que estamos falando?
 
Eu não estava entendendo onde o Andréas queria chegar. Era mais ou menos óbvio que falava de artistas, mas não sei se tinha feito a pergunta para que fosse respondida ou se pretendia ele mesmo discorrer sobre o assunto. O fato é que o silêncio estava se estendendo e ninguém se manifestava…
 
– De poetas e músicos? – arrisquei, rompendo o silêncio.
 
– Isso mesmo – disse o Andréas. – Poesia, música e teatro. Os festivais na Antiguidade tinham características marcadamente culturais. Havia concursos de poesia, teatro, dança, competições musicais, além de cerimônias religiosas.
 
– Então poderíamos inscrever a Dora para representar nosso grupo! – gritou Antônio.
 
Eu não gostei muito da brincadeira envolvendo o meu nome, ainda mais por terem interrompido a explanação que eu ouvia com tanto interesse.
 
Mas eu não podia fazer muita coisa senão sorrir com a gozação. O Andréas não entendeu a brincadeira, mas ficou curioso:
 
– Em que categoria poderíamos inscrever você, Dora?
 
O fato do Andréas ter me chamado pelo nome encorajou-me a responder:
 
– Dança. Eu gosto de dança e também de poesia.
 
– Muito bem, então inscreveremos você na próxima versão dos Jogos Panatenaicos – disse o Andréas, brincando. – Vejam estas imagens. Aqui temos um jovem tocando uma lira de sete cordas sobre um pedestal. Pelo relaxamento de seu braço direito e pela expressão de seu olhar, parece que ele tocou o último acorde e aguarda com modéstia a decisão do árbitro. Este, à frente, tem uma expressão facial que demonstra que ele ainda se encontra sob o efeito da música. Enquanto isso, Níke, a vitória, se aproxima.
 
– Neste outro vaso, o músico, elegantemente vestido com um manto decorado, toca os últimos acordes na sua lira. Níke, portando uma fita colorida para coroar o jovem, vem em sua direção, representando o triunfo alcançado na competição. Enquanto isso, outra Níke, carregando ânforas com as quais será premiado o vencedor, olha para o árbitro aguardando uma decisão final.
 
– Neste baixo-relevo, aqui, o que vemos?
 
Olhei para uma peça de mármore que estava atrás de mim e alguma coisa na cena chamou-me a atenção: eram oito guerreiros nus, com escudos em seus braços esquerdos estendidos. Os braços direitos estendiam-se para baixo, e as pernas estavam ligeiramente trançadas. Os oito guerreiros nus, na verdade dois grupos de quatro, eram observados por um homem vestido.
 
– Estes atletas ou guerreiros estão executando a pírrica, dança que, segundo tradições antigas, teria sido criada pelos “curetes”, guerreiros de Creta que protegeram Zeus quando este ficou escondido. Como vocês devem se lembrar, a mãe de Zeus, Reia, cansada de ver seus filhos devorados ao nascer por seu marido, o terrível Cronos, deu a ele uma pedra enrolada num manto, a qual o titã engoliu, pensando se tratar de Zeus. Depois, prudentemente, Reia escondeu seu filho numa caverna na ilha de Creta para que crescesse a salvo, distante do pai. Lá ele foi alimentado pela cabra Amalteia e protegido pelos curetes, que dançavam e faziam barulho batendo seus escudos sempre que Zeus, ainda bebê, chorava. Foi assim que Zeus escapou de ser devorado por Cronos. A dança dos curetes, com seus ritmos e estalidos marciais, foi introduzida em Esparta e depois em Atenas, onde se tornou uma das competições dos Jogos Panatenaicos. Dedicada à vitória da deusa Atena na guerra contra os titãs, era disputada em três categorias: infantil, juvenil e adulta.
 
– E porque a dança não era dedicada a Zeus? – perguntou Jorge.
 
– Como vocês sabem, cada festival era celebrado em homenagem a uma divindade. Os Jogos Olímpicos, em Olímpia, eram dedicados a Zeus; os Panatenaicos, em Atenas, à deusa Atena; os Ístmicos, em Corinto, a Possêidon; os Píticos, em Delfos, a Apolo, e assim por diante. Em Atenas, como em qualquer outra cidade, havia diversas festividades ao longo do ano, cada qual em honra de um deus diferente.
 
– Dora, já que você é dançarina – prosseguiu Andréas – vai gostar de saber que a dança era considerada fundamental na educação grega. Platão dizia que aquele que não soubesse dançar não poderia ser considerado um cidadão educado: akhóreutos apaídeutos. A dança, a música e a poesia constituíam uma parte fundamental na educação dos jovens. Em vários vasos são retratadas cenas de competições acompanhadas por flautistas. A música era também utilizada para sincronizar os movimentos.
 
As palavras de Andréas fizeram com que eu me sentisse vingada. Acho a dança uma atividade corporal tão ou mais importante que qualquer esporte.
 
Quando acabo minha aula, estou tão suada quanto qualquer garota que sai da academia de ginástica.
 
– A música exerce um efeito muito interessante em nosso espírito – notou Cléia. – Quando aliada à atividade física, além de estimular os exercícios permite uma melhor coordenação dos movimentos. A ginástica rítmica, a patinação no gelo e as aulas de aeróbica são uma prova de que a música pode desempenhar um papel importante na educação e aprimoramento físicos.
 
Senti pela primeira vez que havia uma proximidade entre mim e a professora Cléia. Como nunca fui muito entusiasmada com as aulas de educação física, sempre tive a sensação de que ela não simpatizava comigo.
 
– Outro fato muito importante para a análise era a presença de estátuas de Hermes nos ginásios e nas palestras, o que demonstra a relevância dos aspectos singulares do deus no âmbito da atividade esportiva e do aperfeiçoamento físico – explicou o professor Alberto.
 
– Sim – concordou Andréas –, era comum a presença de estátuas de Hermes, o mensageiro dos deuses, nos ginásios e nas palestras. Podemos dizer que, dessa forma, os gregos reconheciam a importância da comunicação no treino e no aprimoramento físico.
 
– Eu sei muito bem da importância da comunicação nessa área – disse Cléia, sorridente.
 
– Além da comunicação, fundamental para o trabalho de preparação dos atletas, pois assim eles recebiam e discutiam as instruções de seus preparadores, podemos dizer que Hermes fazia com que a inspiração dos deuses chegasse até os esportistas – prosseguiu Andréas. É muito interessante, nesse ponto, lembrarmos que a palavra entusiasmo, hoje usada com frequência no sentido de ânimo, disposição, é de origem grega e significa “inspirado por um sopro divino”.

* Artigo foi extraido do livro Uma viagem à Grécia: os jogos olímpicos e os deuses, de Stylianos Tsirakis.

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