ARETÉ

22.02.2016 -

Os Jogos Olimpicos e o nascimento do Cristianismo

Por Lígia Sanchez*

Iniciados durante o século VII a.C. como uma forma de louvar aos Deuses, havia na Grécia antiga quatro competições de grande importância – os jogos Píticos, em Delphos, em honra a Apolo; os Ístmicos, em Corinto, dedicados a Poseidon; os de Neméa, e os Olímpicos, os dois últimos em honra de Zeus. Esses jogos são conhecidos como Pan-helênicos. Além de uma oferta aos deuses, estes jogos eram uma forma grandiosa de praticar o modo de vida do grego desse período: a Honra, a Excelência e a Cidadania eram celebradas a cada edição dos jogos. Não havia prêmio em dinheiro, o vencedor recebia a honra de ter seu nome imortalizado, assim como o de sua cidade. Durante os jogos, que aconteciam a cada quatro anos em cada um desses locais, mas de forma alternada, era decretado um armistício e pesadas punições impostas àqueles que o violassem.

Os jogos, desse modo, serviam a muitos propósitos e eram respeitados. Um competidor vitorioso seria para sempre cantado nos versos dos poetas e seus feitos admirados em todo o mundo grego. Em Olímpia, que se tornou a mais importante sede dos jogos, o festival passou de um dia para cinco dias de disputas, ao final das quais, após uma hecatombe – sacrifício de cem bois no altar de Zeus – o arauto anunciava o nome dos vencedores, o de seus pais e o de onde provinha, estendendo a honra à família e a cidade.

Apesar de seu caráter pacífico e das muitas vantagens políticas que se poderia tirar dessas competições, os jogos foram extintos em 393, por um decreto do Imperador Theodósio I. Para entender as razões desse ato, é preciso visitar a história:

– Grécia Antiga – o século VIII a.C. é conhecido como o tempo de mudanças. Nesse momento, a vida se transformou completamente, surgem as cidades-estado, iniciam os contatos comerciais entre elas, os jogos panhelenicos são instituídos, Homero canta. A partir daí, a Grécia conheceu um grande avanço político e social que culminou com a Era dourada, o século de Péricles, o período clássico cujos ecos lançaram as bases da sociedade ocidental moderna.

Pouco tempo depois, entretanto, disputas internas levaram ao enfraquecimento dessas potências gregas chamadas Póleis e à conquista pelos macedônios. Felizmente, o jovem rei macedônio, conhecido mais tarde como Alexandre, o Grande, teve tempo de perceber a magnitude do que se havia construído ali e a presença de espírito de disseminar esse conhecimento pelos territórios que sua fúria conquistadora lhe concedeu. Por sua ordem, o grande império Alexandrino, que se estendia desde a Índia e a Pérsia até o Egito, falava grego e discutia filosofia. Após a morte do imperador, porém, fragmentou-se e enfraqueceu, sendo finalmente dominado pelos romanos.

– Império Romano – A conquista romana envolveu a Grécia em 146 a.C., quando ocorreu a batalha de Corinto. Os romanos, grandes admiradores da cultura grega, assimilaram uma boa parte dela, como por exemplo a mitologia. Os deuses romanos são os mesmos deuses gregos, com novos nomes, mas tão venerados quanto antes. Também em Roma faziam-se grandes sacrifícios em sua honra e mesmo jogos e disputas. O Império Romano propriamente dito começa em 27 a.C., durante o período de paz. O mundo conhecido conheceu pouco depois a “Pax Romana” um período de estabilidade econômica e militar. Nesse mesmo momento, como se sabe, essa mesma parte do mundo começa a conhecer os ensinamentos cristãos.

No ano 286, para melhor organizar a administração do vasto império, Diocleciano indica César Maximiano como Augusto no oriente e outros dois “Césares”1, que juntamente consigo formam a primeira tetrarquia romana. Governavam, cada um, uma quarta parte do Império. Após a morte de Diocleciano, entretanto, a luta sucessória trouxe mais problemas que soluções. Entre os filhos herdeiros, os indicados pelo exército e os usurpadores, em pouco

tempo haviam nada menos que seis Augustos no império, uma situação que só poderia ser resolvida pela guerra. Constantino, um dos Augustos, mais tarde conhecido como “Constantino, O Grande”, em batalha e de passagem por Marselha, visita o oráculo de Apolo e tem uma visão. Depois disso, ao preparar-se para enfrentar um forte rival, Constantino ve no céu uma cruz iluminada pelo sol. Ele toma isso como um sinal de vitória e faz seus soldados usarem nos escudos o monograma de Cristo. De fato, foi vitorioso.

Perseguidos por séculos, de todas as maneiras, ainda assim o número de cristãos aumenta ano a ano. No ano 200, havia cerca de 200 mil cristãos no Império Romano, e em 300, mais de seis milhões (embora os números variem muito de autor para autor, essa seria uma média aceitável). Uma minoria ainda, certamente, mas preocupante. Os governantes não deixaram de perceber o risco desse crescimento. Redobravam as perseguições. Porém, ao conquistar a vitória pela graça de Cristo, Constantino encerra as hostilidades e faz concessões aos cristãos – em 313 é publicado o Édito de Milão, que concede liberdade de culto ao cristianismo e outras religiões.

Constantino ficou conhecido como o primeiro imperador romano a assumir o cristianismo, mas essa noção não é verdadeira. Ele realmente fez concessões, mas não se sabe se suas razões eram questões de fé ou por vantagens políticas. Somente no leito de morte ele se fez batizar e tornou-se cristão de fato. Ainda assim, existem autores que citam sua participação em cultos pagãos, principalmente ao Deus Sol – não por acaso ele institui o Domingo como dia de descanso e dedicação a Deus (domingo, ‘Sunday’, é o dia consagrado ao Deus Sol).

O mesmo Constantino também se tornou célebre por outro feito – a mudança da capital do império para Bizâncio: a colônia grega às margens do Bósforo, lugar de conexão entre o oriente e o ocidente, próspera e promissora, que o imperador fez chamar Constantinopla, em honra própria, foi inaugurada em 330. Na nova capital, de acordo com o posicionamento do Imperador, deveria ser dedicada à nova fé. Uma das razões para a mudança, aliás, seria a decrepitude do paganismo romano àquela altura.

Apesar de permitir os cultos pagãos e proibir os cristãos de interferir, o imperador se tornava aos poucos mais intolerante e acabou por destruir alguns templos, particularmente ofensivos à fé cristã, pois se dedicavam à prostituição ritual, como o de Asclépius na Cilicia e os de Apheca e Heliopolis, na Fenicia. Outros templos não foram destruídos, mas seus tesouros foram confiscados e ouro e prata retirados das estátuas, para a confecção de moedas.

Após a sua morte, em 337, sucederam-no no trono romano seus três filhos, Constantino II, Constancio e Constans, cada um assumindo uma parte do império. Mais tarde, ascendeu Juliano, um primo. Juliano teve um reinado muito curto, de apenas 2 anos, mas marcado pela tentativa de retorno ao paganismo. É conhecido como Juliano, o Apóstata. Sua tentativa teve pouca repercussão – a essa altura, o cristianismo já estava disseminado pelo povo. Após uma rápida sucessão de imperadores, em 379 sobe ao trono Theodósio I.

Theodósio institui o cristianismo como a religião oficial do Estado, assiste sem interferir à destruição de grandes templos da antiguidade, como o de Apolo em Delphos e o de Serapeum em Alexandria. E em 393, faz banir os rituais pagãos, inclusive os jogos olímpicos. O paganismo continuou a existir ainda, até que Justiniano ordenou o fechamento da Academia de Platão, em Atenas, em 529.

Os Jogos Olímpicos foram resgatados, em 1896, graças aos esforços de Pierre de Coulbertin, Barão francês, educador e historiador e, por isso mesmo, um entusiasta dos antigos ideais gregos.

Bibliografia consultada:
• Cambridge Ancient History 12. The Crisis of Empire 193-337.
• Cambridge Ancient History 13. The Late Empire, A.D. 337 – 425.
• Dorries, Hermann. Constantine the Great. New York, Herper & Row, 1972.
• Eusebius. Vita di Constantino. Milano, Rizzoli, 2009
• Jones, A.H.M. The Later Roman Empire, 284-602: a social, economic and administrative survey. V. 1 Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986
• Lieu, Samuel; Montserrat, Dominic. From Constantine to Julian: pagan and bizantine views. London, Routledge, 1996
• Lot, Ferdinand – O fim do Mundo Antigo e o Início da Idade Média. 1927
• Ostrogorsky, George – History of the Byzantine State. Rutgers University Press, New Jersey, 2009.
•  Silva, Diogo Pereira da -Tese de mestrado UFRJ – Os Mecanismos de Legitimação de Constantino (306-325)
•  Veyne, Paul – Quando o nosso mundo se tornou cristão (273-337). Rio de Janeiro,

*Ligia Sanchez é Pedagoga, mestre em Historia Social pela USP, estuda a historia da Grécia desde 1995. Atualmente é Diretora Geral da Escola Santa Tereza, em São Paulo e Presidente da Areté-Centro de Estudos Helênicos.

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