ARETÉ

15.01.2020 -

“O Dom de Dioniso – O Vinho na Literatura Grega e Antiga1” Francesco Perrone, Università della Calabria/Storia e Filosofia, 2018.

1. Trechos livremente traduzidos por Isabella Magalhães Callia em ocasião do encontro Internúcleos Areté 
01.12.2019, São Paulo.

O proto-simpósio de Homero
O simpósio2 não pertence ao mundo homérico. No entanto, uma forma pré-simposial é preparada e antecipada por meio do costume de se fazer um prolongamento convivial para a refeição em comum. Na “Ilíada”, o banquete sagrado dos Aqueus, que consomem a carne de vítimas sacrificadas a Apolo, tem uma continuação: os jovens enchem as crateras e distribuem o vinho, entre os cantos em homenagem ao deus a ser apaziguado. O termo sympósion aparece na literatura entre os séculos VII e VI aEC graças ao poeta Alceu de Mitilene. O sentido do simpósio encontra-se no equilíbrio e na harmonia. Acerca disso trata o texto “A etiqueta de Teógnis3”: na diferença entre agathói (aristocratas) e kakói (povo). Os primeiros conhecem o comedimento e portanto não se excedem na embriaguez, enquanto que os últimos bebem desmedidamente. O poeta ainda afirma que o simposiarca deve beber, porém com moderação, e quando chega ao seu limite, a melhor opção é deixar o simpósio e voltar para casa. A distinção entre o simposiarca que se recorda e o simposiarca que não se recorda é referenciada quando o primeiro é erroneamente definido como pessoa confiável, uma vez que não consegue guardar um segredo.
 
Água no vinho

Diz-se que o vinho com o qual Ulisses intoxicou Polifemo era tão forte que se deveria diluílo com vinte partes de água. Existem várias medidas de diluições. Hesíodo recomenda três partes de água para uma de vinho. O poeta grego Anacreonte, de V aEC, 5 para 3. A proporção de 3 para 2 é a diluição mais harmoniosa, segundo o texto atribuído a Plutarco, de I EC, “Questões Simposiais4”. O brinde, como parte do simpósio, possui um nome específico: propínein = beber primeiro e depois passar o copo para o vizinho. Os primeiros traços do costume são encontrados na “Ilíada”. Em uma reunião no Olimpo, Hebe derrama o néctar dos deuses e estes, com suas taças de ouro, executam mutuamente um gesto de difícil interpretação linguística, que pode ser considerado uma forma de saudação.
Gregos e romanos
O simpósio é uma realidade exclusivamente grega pela sua aura de sacralidade, alheia aos romanos, para os quais passou a ser chamado de convito ou jantar. As esposas romanas participam dos jantares, ao contrário dos gregos. Jantares importantes na Roma antiga aconteciam em ocasião dos Saturnali, por exemplo, durante o período do hoje Natal cristão, nos quais eram servidas enormes quantidades de vinho, de tal maneira que até mesmo o historiador Plínio, o Velho, em I EC, listava inacreditáveis invenções para se conseguir beber excessivavemnte: ingerir pó de pedrapomes, ou até cicuta, para se obrigar a consumir grandes quantidades de vinho como antídoto.
 
Remédio para as aflições
No Livro X de “Δειπνοσοφισταί” (“Dipnosofistas” ou “Banquete dos Eruditos”), de Ateneu de Naucratis, poeta de VI aEC, fala-se sobre sua grande paixão por vinhos. A ele deve-se a introdução do termo “vinho lathikēdés”: remédio para as aflições. Dependendo da ocasião, ele incentivava a bebê-lo de forma exagerada, já que o vinho que acalma as dores da alma não é uma droga, mas um remédio (phármakon) que fortalece o coração e ajuda o homem a viver o supremo imperativo ético de ser ele mesmo. O poeta latino Horácio, de I EC, chega ao ponto de dizer que as pessoas sóbrias não têm o direito de compor versos.
 
Vinho e Eros

O forte vínculo entre vinho e Eros, mesmo que não remonte a Homero, é muito antigo. Já o atestava a inscrição na chamada “Taça [kotyle] de Nestor”, encontrada e preservada na ilha de Ischia (Itália), datada de cerca de 725 aEC, que diz: “Eu sou a bela taça de Nestor / quem esvaziará esta taça / será imediatamente tomado pelo desejo de Afrodite da bela coroa”. Esse vínculo, rapidamente enraizado na literatura, também se torna parte da sabedoria popular nos provérbios gregos: “Se não há vinho, não há amor”. O poeta Anacreonte durante um simpósio pede uma briga com Eros.
Durante os simpósios, os simposiantes bebiam para esquecer um amor entre suspiros e lágrimas e, ao mesmo tempo, compunham epigramas que eram uma espécie de tributo fúnebre em verso. Os laços entre vinho e amor são numerosos e muito variados. Lendo “As Aventuras de Leucipe e Clitofon”, de Aquiles Tácio, de II ou III EC, fica-se impressionado com a página do banquete para festa de Dioniso, em que a diluição do vinho com água é preparada em uma cratera de cristal de rocha, com efeitos cromáticos surpreendentes: bebendo, o protagonista masculino começa a olhar para a belíssima Leucipe sem constrangimentos ou vergonha, graças ao efeito promovido por Eros e Dioniso associado. Frequentemente a literatura clássica atribui ao vinho um poder afrodisíaco explícito, manifestado no vigor sexual masculino e, com menor frequência, no ardor feminino.
Beber generosamente garante válidos benefícios: assim sentencia o poeta de V aEC, Íon de Quios, no simpósio. Horácio em uma ode define a cratera “companheira de Vênus”.
 
2 Simpósio s. m. [lat. symposium, gr. συμπόσιον, comp. de σύν «com» e πόσις «bebida», de um dos temas de πίνω «beber»]. A segunda parte do banquete dos antigos gregos e, posteriormente, romanos, em que os comensais bebiam de acordo com a prescrição do simposiarca (o rex convivii dos romanos), cantavam canções de convívio (σκόλια), recitavam poemas, assistiam a vários entretenimentos e conversavam. Fonte:Teccani.
3 Poeta lírico grego do séc VI a.EC. Além de conter informações riquíssimas sobre as transformações do séc VI a. C. em algumas poleis (plural de polis) gregas, Teógnis, como fonte documental é fundamental para o estudo do conceito arcaico de Hýbris ou "desmedida", encarado pelo autor como comportamento típico dos Tiranos, que por sua "desmedida" se tornam mais poderosos que os outros cidadãos, e assim destroem a boa ordem da polis. Fonte: Treccani.
4 Para aprofundamentos: Questioni teognidee. La genesi simposiale di un corpus di elegie, Roma, Edizioni di Storia e Letteratura, 2011, XXXVI-384.

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