ARETÉ

22.02.2016 -

Jogos Olímpicos na Grécia Antiga

Por Cristina Rodrigues Franciscato*

Olímpia é uma cidadezinha muito agradável, localizada no Peloponeso. É o destino de inúmeros turistas que desejam conhecer um dos principais centros religiosos da Grécia Antiga e local do nascimento dos Jogos Olímpicos. Ainda hoje, é no santuário de Olímpia, nas ruínas do altar do templo de Hera, que se acende a tocha olímpica, depois transportada para o local dos jogos. Historicamente, os Jogos Olímpicos acontecem pela primeira vez em 776 a.C., mas suas origens encontram-se entrelaçadas no mito e na pré-história grega. Há evidências arqueológicas de que competições atléticas já ocorriam em terras helênicas desde a Idade do Bronze (aproximadamente entre 2000- 1100 a.C.), nos chamados Período Minóico (com relação à civilização que se desenvolveu na ilha de Creta) e Período Micênico (ocorrido na Grécia continental). Em Creta, as disputas eram parte dos festivais religiosos e incluíam salto acrobático, salto sobre o touro, pugilismo e luta. Na Grécia micênica aparecem a corrida pedestre e a corrida hípica de carros, a mais aristocrática das competições.

Existem diferentes hipóteses para a origem dos jogos: ritos agrários visando à fertilidade da terra, disputas rituais pelo trono, jogos fúnebres em honra de heróis ou mortos ilustres. A primeira hipótese considera que, em Olímpia, as festividades em homenagem a Zeus tinham, a princípio, o objetivo de purificar e revigorar a terra, uma provável alusão a antigos rituais que visavam à prosperidade das colheitas. As duas possibilidades seguintes nos remetem ao mito do herói Pélops, personagem que dá nome à região do Peloponeso (em grego, “ilha de Pélops”), onde está Olímpia.

Conta o mito que Enômao, rei de Pisa (cidade vizinha de Olímpia), não desejava o casamento da filha Hipodâmia. Determina, portanto, que os pretendentes da princesa deveriam vencê-lo numa corrida de carros puxados por cavalos. Tal feito seria impossível, pois seus cavalos eram divinos, presentes do deus Ares. Os vencidos eram mortos. Hipodâmia se apaixona por Pélops e ambos subornam o cocheiro de Enômao. Ele serra o eixo do carro, que se rompe durante a corrida e causa a morte do rei. Assim, Pélops casa-se com a jovem e conquista o trono. Então, realiza jogos fúnebres em Olímpia em honra ao sogro. Jogos que são, ao mesmo tempo, uma comemoração da sua vitória e do casamento com Hipodâmia.

Segundo outras fontes, teria sido Héracles que, mais tarde, durante a realização de um dos seus Doze Trabalhos, teria instituído os Jogos em Olímpia. Quando Augias era rei da Élide, o herói veio limpar seus estábulos, mas o rei não pagou o combinado. Héracles atacou Augias e após vencê-lo realizou jogos em homenagem a Zeus. Outra variante diz que Héracles instituiu os jogos em homenagem a Pélops, seu ancestral (uma das filhas de Pélops foi avó do herói). Seja como for, evidências arqueológicas revelam que o primeiro culto existente no santuário de Olímpia data do primeiro milênio a.C. e era dedicado a Pélops.

A hipótese da origem dos jogos a partir de práticas fúnebres é fortalecida por Homero, nossa fonte literária mais antiga para os mitos gregos. No canto XXIII da “Ilíada”, Aquiles organiza Jogos suntuosos em honra de seu amigo Pátroclo, morto na Guerra de Tróia. Na “Ilíada” todos os chefes gregos competem, inclusive Agamêmnon, “rei dos reis”. No mundo homérico, os heróis, além de cultivarem a excelência guerreira, são também atletas que almejam superar seus pares e tornarem-se os melhores, conquistando glória imortal. O espírito competitivo e a tentativa sobre-humana para realizar feitos incomuns são temas recorrentes nos mitos e nos anseios do homem grego antigo.

Em Homero encontramos várias modalidades de jogos: corrida de carros, luta, pugilismo, corrida pedestre, arco e flecha, lançamento de dardo e o salto. O salto não aparece na “Ilíada”, mas é mencionado na “Odisséia”, onde encontramos, no canto VIII, as disputas atléticas organizadas pelos Feaces (povo mítico que recebe Odisseu durante sua viagem de volta a Ítaca) com o intuito de agradar o O costume de honrar os mortos com jogos fúnebres sai do mito para história e ocorre durante toda antiguidade. Aqueles que morreram nas batalhas de Maratona e Platéias, contra os persas, foram assim homenageados. Conta-se que também Alexandre organizou competições atléticas após suas vitórias para demonstrar gratidão aos deuses e honrar seus mortos.

Segundo Pausânias, os jogos haviam caído no esquecimento até o século VIII a.C., época em que a Grécia encontrava-se mergulhada em guerras intermináveis. Ífito, um rei da região de Olímpia, perguntou ao oráculo de Delfos o que deveria ser feito para reverter a situação. Apolo respondeu ser necessário que os jogos atléticos em Olímpia, em homenagem a Zeus, recomeçassem. Durante as competições, uma trégua sagrada inviolável deveria ser decretada: qualquer guerra ou hostilidade seria interrompida até o final dos jogos. No início a trégua durava um mês, depois três. A cidade que a desrespeitasse ficava impedida de consultar o oráculo de Apolo e de participar das disputas. Assim, em 776 a.C., as competições recomeçaram em Olímpia e foram realizadas até o século IV d.C.

Compreender o lugar e a importância dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga é aproximar-se de valores que ajudaram a construir a civilização grega. Uma das contribuições fundamentais dos jogos foi proporcionar a união do povo helênico em torno de um objetivo comum. Apenas cidadãos gregos podiam participar das competições, vetadas a escravos e estrangeiros. Na antiguidade, a Grécia não era um país com unidade política, mas a reunião de várias cidades-estados, muitas vezes rivais entre si. Elas tinham total autonomia. A identidade cultural era dada pela língua e pela religião. Os centros religiosos pan-helênicos, como, por exemplo, Delfos e Olímpia, eram fundamentais para manutenção dessa identidade e as disputas atléticas, essenciais na formação de seus jovens. Um dos ideais que norteava tal formação era o de harmonia entre corpo e alma, traduzido na expressão Kalós kagathós: busca do Belo e do Bem. O Belo com relação à forma, à perfeição física, e o Bem no que diz respeito ao caráter, ao anseio pela excelência.

Os jogos Olímpicos não eram as únicas competições atléticas de natureza pan-helênica que aconteciam na Grécia, embora fossem as principais. Existiam também os Jogos Ístmicos, realizados no Istmo, próximo a Corinto, e dedicados a Posídon; os Jogos Píticos em Delfos, em honra a Apolo e os Jogos Nemeus, que aconteciam no vale de Nemeia, em homenagem a Zeus. Os Jogos Olímpicos e Píticos ocorriam a cada quatro anos, enquanto os Ístmicos e Nemeus, a cada dois. O prêmio nos Jogos Olímpicos era uma coroa de folhas de oliveira; nos Jogos Ístmicos, de pinheiro; nos Píticos, de loureiro e nos Nemeus, de Aipo.

No início, os jogos olímpicos eram realizados num único dia e só existia a prova do stádion (até 728 a.C.), competição de corrida pedestre em que os participantes percorriam 192.25m, extensão do estádio de Olímpia. Com o tempo outras provas foram acrescentadas, mas essa continuou a ser a principal até o final dos jogos. Seu vencedor dava o nome à Olimpíada. No período clássico, a partir de 472 a.C., a duração da olimpíada era de cinco dias.

As competições estavam divididas em gímnicas e hípicas. As gímnicas, nas quais se competia nu (gymnós, “nu”), eram provas atléticas realizadas no estádio, com modalidades para adultos e adolescentes. As principais, além do stádion, eram: díaulos, percurso de duplo estádio; dólicos, percurso de 24 estádios; luta, pugilato, pancrácio (combinação entre luta e pugilato) e o pentatlo, considerada a competição ideal pelos gregos. O pentatlo compreendia as provas de corrida, arremesso de disco, salto, lançamento de dardo e luta. As hípicas eram realizadas no hipódromo e incluíam corridas de carros e de cavalos.

A vitória nos jogos representava o coroamento de uma vida dedicada à superação de limites na busca de excelência física e moral. Alguns ganharam, de fato, imortalidade, por meio de poetas como Píndaro, Simônides ou Baquílides que cantaram suas glórias. A grande honra concedida ao vencedor era poder erigir sua própria estátua em Olímpia, onde colocava seu nome, do seu pai e da sua cidade de origem. Plutarco registrou uma tradição recorrente nas cidades gregas, que testemunha o valor dos jogos: elas recebiam seus vencedores olímpicos derrubando um setor de suas muralhas, por onde os atletas entravam triunfantes sobre uma quadriga. A explicação de Plutarco é que a cidade que possuía tais cidadãos não necessitava de muralhas.

Conta Heródoto (História, VIII, 26) que, durante a guerra entre gregos e persas, alguns desertores gregos foram levados à presença de Xerxes, o grande rei. Ele desejou saber o que faziam seus inimigos naquele momento. Eles contaram que os gregos realizavam competições atléticas e hípicas em Olímpia. Alguém perguntou qual era o prêmio disputado pelos concorrentes e eles responderam que era a coroa de folhas da oliveira sagrada, conferida ao vencedor. Então, um dos oficiais exclamou, dirigindo-se ao general: “Ah! Mardônio, contra que espécie de homens nos faz guerrear, que não competem por dinheiro, mas pela excelência”.

* Cristina Rodrigues Franciscato é Jornalista com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Literatura Grega Antiga pela FFLCH-USP; tradutora da tragédia Héracles de Eurípides (Palas Athena Editora, 2003) e co-autora dos livros: Estudos Sobre o Teatro Antigo (Editora Alameda, 2010) e a Representação dos Deuses e do Sagrado no Teatro Greco-Latino (Humanitas, 2013). 

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