ARETÉ

18.07.2022 -

Democracia em debate

 

O evento

A partir de falas de membros dos núcleos História, Matemáticas & Ciências e Mitologia, além do convidado especial, o filósofo Eduardo Wolf, o evento pretende realizar para o público interno da Areté uma breve reflexão sobre o tema da democracia, tão caro e fulcral para nosso tempo.

________________________________________

O tema 

Há cerca de 2.500 em 508 a.C. tinha fim o regime tirânico da família dos Pisístratas e era implantada a democracia ateniense. As importantes reformas políticas e econômicas implantadas por Sólon quase um século antes tinham estancado apenas temporariamente a crise que assolava Atenas. No final do período arcaico, regimes tirânicos, com apoio popular, estavam instalados em inúmeras localidades como meio de lidar com a crise política, derrubando regimes aristocráticos, característicos das cidades-estado gregas até então.

A extensão do direito de participação a todos os cidadãos homens nos negócios da cidade e na reconfiguração das instituições públicas abriu uma nova fase de experimentos políticos. A repactuação democrática de Atenas permitiu que a cidade ocupasse um papel essencial na defesa contra as invasões persas e colocou a cidade na liderança e no centro do mundo grego, o que gerou um deslocamento ou ameaça ao papel de força hegemônica que Esparta ocupava por aproximadamente dois séculos. A construção e manutenção de uma poderosa frota naval, além da formação da Liga de Delos, para resistir aos ataques persas, converteram Atenas em potência marítima, comercial e política. Se o hoplita e a falange eram símbolos dos regimes oligárquicos, a importância e profusão de remadores na frota marítima os tornou símbolo da democracia. O desenvolvimento nas artes, teatro, arquitetura, bem como na filosofia e na política foi exuberante, nascia o período clássico. O ressentimento de Esparta e seus aliados foi concomitante, gerando os primeiros conflitos daquela que seria uma guerra fratricida, a Guerra do Peloponeso. Mas a reação de Esparta e de outras cidades contra Atenas não pode ser explicada somente pelo ressentimento do prestígio ateniense ou mesmo pela arrogância imperial da cidade frente aos próprios aliados. A liberdade e a ebulição cultural na Ática ameaçava contaminar as populações das cidades com regimes tirânicos e oligárquicos – sobretudo de Esparta, que submetia a populações locais e vizinhas com braço de ferro e relações feudais.

Em suas primeiras décadas de existência, a democracia criou mecanismos e instituições notáveis: a isonomia dos cidadãos, o direito de palavra nas assembleias, a possibilidade de participação nos cargos institucionais. A instituição do ostracismo e também de sorteios para preenchimento de algumas funções foram fruto do zelo para salvaguardar a alternância de poder e evitar assim a volta ou ressurgimento de novos tiranos e a concentração de poder. Apesar desse esforço consciente e sistemático, o regime democrático foi permeável ao poder e privilégio das classes mais abastadas, como aponta Aristóteles já no século IV a.C.

O renascimento do ideal democrático com a tarefa de organizar os Estados na modernidade criou formas de participação e instituições bastante distintas das helênicas. A participação indireta de representantes, que tem sido um traço universal, por exemplo, criou novos recursos e novos desafios para lidar com os desequilíbrios e desigualdades. A realização de uma sociedade mais justa, que permita o florescimento humano mais igualitário, aliando o potencial econômico à reflexão e à práxis política, continua um desafio em nosso tempo. Pelo desejo de que o caminho seja com a participação mais ampla possível, tal desafio (ou sonho) ainda recebe o nome de democracia.

 

Horário: 18 de julho entre 19:00 – 21:30 (2h30)

Local: Google Meet –  Areté

Acesso pelo link: https://meet.google.com/ezv-ajcj-pad

 

Comissão organizadora:

Jorge Kapotás (Núcleo de História)

Stylianos Tsirákis (Núcleo de Mitologia)

Vicente Sampaio (Núcleo de Filosofia)

 

Palestrantes

Eduardo Wolf (Prof. de Filosofia Antiga / USP) – CONVIDADO

Henrique Marins (Prof. de História da Matemática / IFSP ) – N. de Matemática e Ciências

Jorge Kapotás (Historiador FFLCH / USP e Doutor em Matemática Aplicada / IME-USP) – N. de História

Stylianos Tsirákis (Arquiteto FAU / USP , Editor e Mitólogo) – N. de Mitologia

Mediador

Vicente Sampaio (Prof. de Letras Clássicas) – N. de Filosofia

 

Parte 1 – Exposições (19:00 – 20:15 > 1h20)

19:00 – 19:15 – Stylianos Tsirákis

19:20 – 19:35 – Jorge Kapotás

19:40 – 19:55 – Henrique Marins

20:00 – 20:15 – Eduardo Wolf

 

Parte 2 – Debate (20:20 – 21:30 > 1h10)

20:20 – 20:30 – Pergunta a Stylianos Tsirákis (vinda da mesa)

20:30 – 20:40 – Pergunta a Jorge Kapotás (vinda da mesa)

20:40 – 20:50 – Pergunta a Henrique Marins (vinda da mesa)

20:50 – 21:00 – Pergunta a Eduardo Wolf (vinda da mesa)

21:00 – 21:30 – Perguntas do público

 

Resumos

(1) Eduardo Wolf – CONVIDADO

Liberdade antiga e liberdade moderna (afinidades e diferenças)

A demokratía ateniense tem sido classicamente contrastada com a democracia moderna sob diversos aspectos: quer se trate do caráter direto e ativo da experiência grega, por oposição ao que seria a natureza indireta e passiva dos últimos séculos, quer se trate da nota de classe que marcaria a noção de dêmos na demokratía grega, em oposição com o apagamento dessa dimensão de que nossas sociedades dão testemunho, as atenções dos estudiosos costumam se concentrar nas diferenças entre esses dois mundos.

Um dos contrastes tradicionalmente evocados em matéria de reflexões sobre a antiguidade e a modernidade é precisamente aquele entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. Formulada por primeira vez por Benjamin Constant (1819), tal distinção tem orientado muito da discussão acerca da própria noção de liberdade, com destaque para o ensaio de Isaiah Berlin, “Dois conceitos de liberdade” (1958), celebremente distinguindo entre uma liberdade “negativa” e uma liberdade “positiva”. A análise desse problema não pode ser dissociada de uma compreensão do papel da liberdade no interior da própria economia conceitual de democracia. Será a liberdade dita “negativa”, nos termos de Berlin – aquela identificada como a liberdade dos “modernos”, nos termos de Constant – totalmente desconhecida dos antigos e inteiramente desconhecida da demokratía grega? A partir de uma análise de certas fontes antigas (especialmente a Política de Aristóteles) e algumas teorizações contemporâneas, pretendo oferecer um balanço das possibilidades de interpretação disponíveis aos que têm se interessado pelo tema.

 

(2) Henrique Marins – Núcleo de Matemática (Grupo Gnómon)

O Teorema da Impossibilidade de Arrow nos métodos de escolhas sociais

Se um grupo social precisa escolher entre apenas duas opções (eleição de um governante ou qualquer outra questão política) e, desde que o voto de qualquer eleito tenha o mesmo valor, não há nenhuma dúvida de que a alternativa preferida é aquela da maioria. Caso qualquer um desses fatores se altere, os métodos para decidir qual deve ser a alternativa vitoriosa passam a ser mais complicados que uma mera comparação entre as quantidades de votos.

Por exemplo, se três candidatos A, B e C participam de uma votação em que há uma centena de eleitores e recebem, respectivamente, 40, 30 e 30 votos, o candidato A será eleito se for considerado que recebeu mais votos que quaisquer de seus concorrentes, mas a quantidade não corresponde à maioria (pelo menos metade mais 1) do total.

Outras questões mais surpreendentes podem surgir em uma situação identificada como o “paradoxo de Condorcet”:  ainda com os mesmos três candidatos, se um terço dos eleitores ordena-os como  A – B – C; outro terço ordena-os como B – C – A , e  o último terço, como C – A – B.  Dois terços preferem A a B e dois terços preferem B a C. Assim, aparentemente a maioria prefere A a C, mas, na verdade, a maioria prefere C a A.

Arrow investigando, com recursos da lógica e da matemática formais, desenvolvidas no início do século XX, as condições gerais para escolhas sociais, acabou por obter uma conclusão que ficou conhecida como seu “Teorema da Impossibilidade”. Este resultado afirma que, dadas cinco condições, a saber: universalidade, monotonicidade, independência de alternativas irrelevantes, soberania cidadã e não-ditadura, uma eleição não está livre de paradoxos como o apresentado acima.

 

(3) Jorge Kapotás – Núcleo de História

Tirania e democracia

A apresentação fará exposições e questionamentos sobre os seguintes tópicos:

A relação histórica entre as tiranias que proliferaram no mundo helênico durante os Secs. VII a.c. e VI a.c e as condições econômicas, sociais e políticas vigentes, que possibilitaram o surgimento das reformas atenienses de Clístenes, em específico, no final deste atribulado período histórico. A origem dos regimes tirânicos, suas características e seu conceito à época nas fontes primárias,  bem como as resultantes históricas do seu advento e percurso farão parte da temática a ser desenvolvida.

Analisar a evolução e transformação histórica da relação entre a Democracia Ateniense e a Liga de Delos, esta última, constituída, originalmente, para a defesa do mundo grego contra os ataques do Império Persa. A Idade de Ouro de Péricles será analisada vis-à-vis as ações e, principalmente, as contradições da política ateniense em relação aos seus aliados.

 

(4) Stylianos Tsirákis – Núcleo de Mitologia

Mitologia e democracia

O homem arcaico grego herdou e também deixou como legado a escrita alfabética, os Jogos Olímpicos e o imenso “edifício” da mitologia helênica: um estudo profundo da natureza humana. Os dizeres como “Conhece-te a ti mesmo”, “Nada em excesso” são os mais conhecidos, mas vale a pena refletir também sobre “Quem afiança, afiança o erro”, que nos expõe uma desconfiança profilática sobre o gênero humano. A forma de organização social característica da pólis grega pode ser descrita como aristocrática; séculos mais tarde, na Atenas democrática, o mito é explorado à exaustão pelo gênero da tragédia e alguma atualização do mito é também feita.

A apresentação versará sobre o que o mito nos revela sobre o soberano da Idade do Bronze, os basileís da Cidade Estado e o advento da tyranía no período arcaico (tema de várias tragédias), além de refletir sobre a elaboração teológica de Protágoras, já no período democrático, a respeito da natureza humana.

DEIXE SEU E-MAIL

para receber novidades