ARETÉ

07.12.2013 -

Nikos Kazantzakis

Apresentação Monique Bouffis


Vou ler alguns trechos de livros de NIKOS KAZANTZAKIS, autor grego nascido na ilha de Creta e falecido em 1957.

O primeiro texto é de Zorba, o grego, obra magistral que é baseada em fatos reais. Kazantzakis havia conhecido um trabalhador de minas, em 1917, em Prastova, de quem ficou muito amigo. Curiosamente, um intelectual como Kazantzakis, torna-se admirador de um homem do povo, rústico, que o ensinou a aproveitar a vida, baseando-se nas coisas mais simples, como beber, comer, amar, cantar e dançar. O enredo baseia-se na história dessa amizade entre um personagem escritor e Zorba.

“Meu desejo indiscreto da manhã, de espionar e capturar o futuro antes que nascesse, apareceu-me subitamente como um sacrilégio.

Lembrei-me de uma manhã em que encontrei um casulo preso à casca de uma árvore, no momento em que a borboleta rompia o invólucro e se preparava para sair. Esperei algum tempo, mas estava com pressa e ele demorava muito. Enervado, debrucei-me e comecei a esquentá-lo com meu sopro. Eu o esquentava impaciente, e o milagre começou a desfiar diante de mim, em ritmo mais rápido que o natural. Abriu-se o invólucro e a borboleta saiu, arrastando-se. Nunca esquecerei jamais o horror tive então: suas asas ainda não se haviam formado, e com todo o seu pequeno corpo trêmulo corpinho, ela se esforçava para desdobrá-las.

 

Debruçado sobre ela, eu ajudava com meu sopro. Em vão. Um paciente amadurecimento era necessário, e o crescimento das asas se devia fazer lentamente ao sol; agora era muito tarde. Meu sopro havia obrigado a borboleta a se mostrar, toda enrugada, antes do tempo. Ela se agitou, desesperada, e alguns segundos depois, morreu na palma de minha mão.

 

Creio que esse pequeno cadáver é o maior peso que tenho na consciência. Pois, compreendo atualmente, é um pecado mortal violar as leis da natureza. Não devemos apressar-nos, nem impacientar-nos, mas seguir com confiança o ritmo eterno.”

 

[Kazantzakis,Nikos. Zorba o grego. Trad.Edgar Flexa Ribeiro e Guilhermina Guinle. RJ Nova Fronteira, 1974, p.151].

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Em segundo lugar, trago um fragmento do romance O Cristo Recrucificado, em que há a narração de uma história, uma mini história, que fala sobre o sonho da personagem do padre Photis, enquanto velava o corpo assassinado de Manolios, o Cristo:

 

(O Padre Photis) “Teve um sonho: ele perseguia, em volta de uma árvore verde e frondosa, um pequeno pássaro amarelo, uma espécie de canário; a perseguição começava quando era ainda bem criança; os anos se passavam, ele crescia, tornava-se rapaz, depois homem feito; os cabelos e o bigode, a princípio negros como azeviche, embranqueciam pouco a pouco; ele envelhecia e continuava a perseguir o pássaro amarelo, e este, voando de galho em galho, cantando, escapava-lhe sempre…

 

Esse sonho não durou mais que um relâmpago; porém, quando o Padre Photis, sobressaltado, abriu os olhos, teve a impressão de ter vivido milhares de anos e perseguido há milhares de anos, sem nunca se cansar, com um impulso sempre renovado, um pequeno pássaro inatingível, que parecia um canário. Mas, no fundo de si mesmo, o Padre Photis sentia que aquele pássaro amarelo – que ora assobiava zombeteiro, ora cantava com êxtase, a cabeça voltada para o céu – não era um canário.

 

Kazantzakis, Nikos. O Cristo recrucificado. São Paulo:Nova Fronteira/Círculo do Livro, s/d, [Tradução de Guilhermina Sette], p.415.

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Em terceiro lugar, vou ler parte de uma entrevista, em que perguntavam a Kazantzakis como era o seu processo criativo, em quê se baseava para ter as idéias para os enredos ou a inspiração para as poesias. Ele, como todo homem sábio, falou através de uma parábola:

 

“Talvez vocês já tenham visto como o bicho-da-seda tece o seu casulo. Ele devora as folhas da amoreira com avidez durante cerca de um mês. Atinge o comprimento de um dedinho e bruscamente para de comer. De marrom acinzentado tornou-se amarelado; o organismo dele é a sede de uma profunda transformação: a pele fosca tornou-se transparente, as entranhas viraram seda. Ele começa a oscilar a cabeça de um lado para o outro, muito lentamente: um fio quase invisível sai-lhe da boca e a construção do casulo começa. Em alguns dias essa casca é tecida com uma segurança infalível. Ele se fecha nela, em forma de crisálida, e espera a primavera. Então faz um buraco na sua tumba e dali sai uma borboleta branca com olhinhos negros. Sinto-me como um bicho-da-seda quando escrevo um livro. A razão, o racional, não desempenha m ais o papel principal. Não faço planos, eles são feitos sem que eu saiba. Não me preocupo onde encontrar as aventuras de meus personagens. Cada manhã, ao começar o trabalho, não sei o que vou escrever. Mas não me preocupo, pois sei, inconscientemente, que tudo está pronto dentro de mim. Só tenho que extraí-lo.”.

 

[Kazantzakis Nikos: entrevista a Pierre Sipriot, Radio France, 1957 – trad. do francês feita por Silvia Ricardino].

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